No Dia 9 de julho, em comemoração ao Dia da Luta Operária, realizou-se, no Sindicato dos Padeiros, a entrega do troféu José Martinez. O texto que se segue conta um pouco dessa história.
Maria Maeno recebendo o troféu José Martinez |
Maria Maeno, Edith Seligmann Silva, Carlos Aparício Clemente |
M. Laurinda R. Sousa
Esse
ano, o de 1932, se iniciou com uma manifestação de revolta contra o governo
centralizador de Getúlio Vargas que, em 1930, fechara o Congresso Nacional e
anulara a constituição de 1891. Em protesto, cerca de 100.000 pessoas ocuparam
a Praça da Sé, no dia do aniversário da cidade.
Em
23 de maio, quatro estudantes de Direito que lutavam pelas forças
constitucionalistas, Martins, Miraglia, Dráusio e Camargo, foram baleados e
mortos pelos que defendiam o governo central. Desencadeou-se, assim, o
acirramento de uma revolta armada, que tomou o acrônimo MMDC como símbolo dessa
luta. Com forças desiguais, sem o apoio
prometido de outros Estados, com muitas mortes, os constitucionalistas se
renderam, em outubro de 1932.
Apesar
da derrota, algumas reivindicações foram atendidas e levaram à formação de uma
Assembleia Constituinte que elaborou a nova Constituição de 1934.
Essa é, em linhas muito gerais e
superficiais, uma história contada.
Mas,
há uma outra história que também se celebra nesse dia, 9 de julho, e da qual
não se ouve falar; uma história não contada.
Trata-se
do Dia da Luta Operária, dia instituído em homenagem ao sapateiro anarquista
sindicalista, emigrante espanhol, José Ineguez Martinez, baleado pela Força
Pública no dia 9 de julho de 1917, no Brás, quando participava de uma greve por
melhores condições de trabalho e de vida.
Seu
funeral mobilizou toda a cidade; os operários e operárias se juntaram num
cortejo de protesto e solidariedade, que foi do Brás até o Araçá. As fábricas
foram sendo fechadas à medida que o funeral passava, e a greve se espalhou por
São Paulo, constituindo-se na Primeira
Greve Geral da Classe Operária; símbolo do surgimento da consciência de classe
e da capacidade de organização dessa população.
A
cidade parou completamente naquela semana de julho: fábricas, comércio, energia
elétrica, bondes, abalando o forte poder oligárquico da época e tornando
visíveis as condições precárias de vida e moradia que atingia a classe
operária.
As
condições para a revolta foram sendo acirradas pela decisão dos fazendeiros e
industriais em atender prioritariamente
os países em guerra (Primeira Guerra Mundial, 1914-18) para os quais eram
enviados alimentos e tecidos para os uniformes dos soldados, o aumento da
carestia e da fome, a repressão violenta a qualquer manifestação de protesto
pela insatisfação crescente entre os trabalhadores – homens, mulheres e
crianças - que tinham que cumprir uma
carga de até 14 horas diárias nas fábricas, inclusive aos sábados, para atender
a demanda crescente de exportação. Tudo isso sem um aumento de salário que
permitisse a mínima sobrevivência.
Interessante
ressaltar que esse movimento foi iniciado por mulheres que trabalhavam no Cotonifício
Crespi, no bairro da Mooca. Foram elas as primeiras a parar a tecelagem,
criando o exemplo e pressão para que outras fábricas parassem. Outro exemplo,
viera de um lugar distante: a greve iniciada no mesmo ano e que marcara a queda
do regime czarista, na Russia: mulheres
operárias, também com fome, pararam de trabalhar, em Petersburgo, reivindicando
pão para comer.
A
Polícia paulista reagiu ao movimento com violência. Dos inúmeros confrontos,
muitas mortes e registro de desaparecidos. Aos familiares que procuravam
informações não eram dadas respostas convincentes. Outros nem eram procurados; suspeita-se
que sendo grande parte constituída por emigrantes não havia familiares que
soubessem de seu desaparecimento. Mas, para além disso, temos de considerar o “pouco
valor” dado a essa mão de obra “ainda escravizada”, facilmente invisibilizada;
há relatos de carros de bombeiros levando corpos que foram enterrados em valas
comuns na “calada da noite”. Uma história, como tantas outras que se repetiram,
e ainda estão à espera de investigação, justiça e reparação.
O
final da greve foi vitorioso: diminuição da jornada de trabalho, aumento
salarial, anistia política aos grevistas, controle de preços, proibição do
trabalho infantil. Reivindicações aprovadas numa assembleia com mais de 10.000
participantes e com o canto da Internacional. “...Bem unidos façamos/ Nesta
luta final/ Uma terra sem amos/ A Internacional...”.
Segundo
José Luiz Del Roio, militante político que estudou e escreveu sobre esse período,
a grande aprendizagem foi “o reconhecimento de que as conquistas dos
trabalhadores não podem ser consideradas definitivas; há sempre um poder
elitista, de mentalidade escravocrata, querendo destruí-las. É preciso conhecer
a história e o valor dos coletivos. É preciso que a luta continue”.
No
centenário dessa greve, em 9 de julho de 2017, foi instituído o Dia da Luta
Operária, pela lei municipal 16.634, de autoria do vereador Antonio Donato, em
homenagem a José Martinez e a todos os trabalhadores. Dois anos depois, foi criado pelo artista
plástico Enio Squeff e o fundidor Luciano Mendes, o troféu José Martinez,
entregue, cada ano, a pessoas que se destacam na defesa das questões
trabalhistas.
Toda
essa história, pouco conhecida, foi contada e relembrada no ato deste 9 de
julho de 2024, dia que começou frio e chuvoso, mas que se aqueceu no encontro
solidário e festivo realizado no Sindicato dos Padeiros.
Deixei para o final, o motivo que me impulsionou a estar lá. Partilhar da alegria, na companhia amiga de Edith Seligmann Silva, de assistir à entrega do troféu a duas pessoas importantes nessa causa. Maria Maeno, médica especializada em Saúde Coletiva e Saúde do Trabalhador, pesquisadora da Fundacentro e membro do Núcleo Semente. Ativa pesquisadora e defensora dos direitos trabalhistas. E Carlos Aparício Clemente, ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, diretor do Espaço Cidadania, reconhecido defensor dos temas ligados à saúde e segurança do trabalhador e da inclusão social.
Também neste encontro a banda tocou e acompanhou o canto coletivo da Internacional.
Na saída, ainda havia chuva, mas este 9 de julho ganhou, para mim, outro sentido; um forte reconhecimento do poder das lutas solidárias.
Referências sugeridas:
De Maria Maeno: várias lives e entrevistas no YouTube. Mais
recentemente a importante entrevista ao Tutameia (8.7.2024).
O filme de Carlos Pronzato: 1917:
A Greve Geral (no YouTube)
O livro de José Luiz Del Roio: A
Greve de 1917. Os trabalhadores entram em cena. Alameda Editorial, 2017. Dele,
há, também várias entrevistas no YouTube