Blog Núcleo Semente

O Blog do Núcleo Semente tem por objetivo ampliar o espaço de divulgação e discussão de temas relacionados ao mundo do Trabalho, da Saúde Mental e dos Direitos Humanos. Está aberto à colaboração de todxs os membros do Núcleo e de pesquisadores e pessoas de outras áreas que tenham interesse nessas temáticas. Equipe responsável: GT Comunicação e Difusão: Ana Yara e M Laurinda R Sousa.

Cenas de Racismo tão constantes no nosso cotidiano e na forma de serem apresentadas pela Mídia, são um mote deste escrito feito por M. Laurinda R. Sousa

O RACISMO EM FOCO. CONVITES À DISSOCIAÇÃO

 6.7.2024, despreocupada, ligo a televisão e vou zapeando. Paro no noticiário da Globo News. As cenas me convocam: policiais atacam morador de rua.

Os vídeos, registrados nos celulares dos moradores do local, são claros; não deixam dúvidas. Um homem negro é atacado por cerca de 5 policiais. Reage à prisão, recebe chutes, porradas de cassetete, pontapés... É algemado e feito saco de lixo é jogado no carro que o levará. Levará “para onde”? Chegará a algum destino?

Admiro a coragem desse homem que resiste à violência e não se deixa paralisar pela força bruta.

Uma moradora do local é entrevistada e faz a denúncia-apelo: “estão levando nossas barracas e os pertences da feira que existe neste local. Com o frio que está fazendo, morando na rua, ficamos sem nenhuma proteção”.

A despreocupação já se foi. Assisto inquieta às cenas de violência.  Tão recorrentes.

A repórter encerra essa reportagem anunciando formalmente: os policiais serão investigados e os fatos apurados. E acrescenta: as autoridades municipais informaram que os policiais filmados não participaram do ataque a esse morador de rua. Como assim? E as cenas filmadas? Estão me convidando à recusa do que vi?

Logo em seguida, com um sorriso de quem dará boas notícias, a jornalista faz a comunicação do resgate e adoção de cachorrinhos apreendidos numa casa onde ficavam em condições de maus-tratos. Depois de receberem cuidados, serem vacinados e castrados, os pequenos animais estão à espera de adoção.

As fotos são claras; não deixam dúvidas. Os pets são tratados com carinho e os que ainda não foram adotados, estão agasalhados e protegidos em local seguro.

A repórter anuncia com ênfase: o dono do local, responsável pelos maus-tratos, continua preso.

Um sorriso parece tranquilizar o ouvinte: a justiça foi feita.

Com espanto me pergunto: como pode a primeira notícia ter um comentário tão anódino? E se passar rapidamente para uma outra que parece querer ter o poder de evitar o constrangimento, a vergonha, o horror de se ver a realidade crua das ruas. Impedir o pensamento e a crítica de como a cidade de São Paulo está cuidado de uma parte significativa de seus moradores.

Até quando os responsáveis por violências semelhantes não serão punidos? A política higienista não será condenada?

Ontem, uma outra notícia ganhou destaque: 4 adolescentes foram abordados pela polícia num bairro de luxo do Rio de Janeiro. 3 deles são negros e filhos de embaixadores. Aqui o final foi outro: considerando-se a origem desses meninos, o Itamaraty viu-se no dever de se desculpar e anunciar medidas imediatas de punição aos policiais envolvidos nessa abordagem. Isso, no entanto, não apaga o ato violento contra os meninos cuja “única infração” é a cor da pele.

Também neste início de mês, Graça Machel, ativista política militante da luta contra o Racismo e as injustiças sociais desde sua juventude, quando pegou em armas para lutar pela independência de Moçambique, viúva de Nelson Mandela com quem partilhou de lutas comuns, esteve no Brasil e falou de sua história: “Ninguém vai determinar o que sou e nunca vou calar quando há uma injustiça. O Brasil é um país reconhecido por sua hospitalidade, sua alegria, mas esse é só um plano. Em outro, é um país que precisa ter consciência da violência de seu racismo. Eu não sou a cor da minha pele. Eu sou humana, como todas as pessoas”.

Já na década de 80 do século passado, Hélio Pellegrino ao denunciar o rompimento do pacto social, garantia dos direitos fundamentais a todos seres humanos,  que estaria na origem da violência, afirmou: “É preciso mudar o modelo econômico e social brasileiro, por uma questão de higiene mental, moral e política. Por uma questão de vergonha!”

Continuamos sendo um país que não tem vergonha de mostrar sua cara: pretos, pobres e periféricos podem ser eliminados anodinamente.


This entry was posted on 11 julho, 2024. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. You can leave a response.

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